Cuidando da saúde mental na hanseníase
Os efeitos da hanseníase na vida e na saúde mental de Kendrick Melo, 24 anos, não foram fáceis de enfrentar. Um primeiro desafio foi o caminho entre os primeiros sintomas e diagnóstico, descoberto em 2016. Embora tenha buscado rapidamente ajuda médica, os primeiros profissionais de saúde procurados não pensaram na hanseníase como possibilidade.
No início, Kendrick teve manchas na pele que surgiam e desapareciam em vários locais do corpo, como pernas, braços e costas. Além disso, tinha febres e feridas pelo corpo. Por ser gay, as primeiras suspeitas dos profissionais eram de doenças sexualmente transmissíveis. Outra possibilidade levantada foi o estresse relacionado ao trabalho. O diagnóstico correto veio apenas após consulta com o quarto dermatologista.
“No início, foi bem chocante. Eu não queria aceitar. Antes de ter diagnóstico, a gente fica pensando várias coisas. Eu pensava que era leucemia”, relata Kendrick, que morava em Recife à época do diagnóstico.
Mas descobrir a doença foi apenas o início de uma longa batalha. Kendrick teve hanseníase multibacilar e enfrentou diversos episódios de reação hansênica. Conforme o Guia Prático da Hanseníase, publicado pelo Ministério da Saúde em 2017, as reações hansênicas são fenômenos do aumento de atividade da doença, levando à piora do quadro clínico com episódios agudos antes, durante ou depois do tratamento.
O tratamento de Kendrick, que deveria durar um ano, se arrastou por quatro anos e meio. Algumas reações foram fortes e o levaram à internação no Hospital Geral da Mirueira, no município de Paulista.
Conviver com a doença também foi vivenciar a discriminação. “Eu queria continuar trabalhando, mas a médica do trabalho me afastou. Depois do diagnóstico, achavam que eu estava transmitindo para os colegas”, relembra. O início do tratamento interrompe a transmissão da hanseníase. Mesmo assim, Kendrick foi afastado do trabalho por quem desconhecia essa informação.
Dentre outras lembranças, ele aponta ter ficado triste com o comentário de uma pessoa da família. “Uma pessoa disse que era castigo por eu ser gay. Depois essa pessoa pediu desculpas, mas foi horrível para mim na hora. A gente não espera ouvir isso de ninguém”, afirma.
Encontrando apoio
Nos anos de tratamento, Kendrick ia constantemente à Policlínica Lessa de Andrade, em Recife, onde tinha atendimento de fisioterapia para melhorar os movimentos das mãos. Ele foi convidado a participar do grupo de autocuidado para pessoas acometidas pela hanseníase. O grupo é um dos 69 grupos já apoiados pela NHR Brasil nos últimos anos.
De início, Kendrick não quis participar do grupo. Mas logo mudou de ideia. E descobriu um espaço onde foi aprendendo sobre autocuidado e partilhando experiências com pessoas que vivenciaram a doença de formas diferentes.
“Foi importante escutar relatos das pessoas com os mesmos problemas. Com tanto tempo de tratamento, ano após ano, eu sentia um desânimo e pensei em desistir. Eu via pessoas que tinham terminado o tratamento. Isso me ajudava a ter esperança”, conta Kendrick.
Ele participou das diferentes atividades propostas pelo grupo, como confraternizações, festas temáticas e passeios. Um encontro específico abriu um novo caminho: quando um psicólogo foi convidado para conversar com os participantes. “Eu precisava, mas não sabia. Depois disso, eu estava conversando com a terapeuta ocupacional e não aguentei, comecei a chorar. Ela me ajudou a marcar a primeira consulta com psicólogo, e estou na terapia até hoje”, revela.
Para Kendrick, era difícil lidar com as marcas visíveis no corpo e com a própria imagem. Ele lembra que não conseguia aceitar a doença e tinha muito medo de ser rejeitado pelos outros. Atualmente, ele reconhece a importância de ter um apoio psicológico para conversar sobre as aflições e experiências negativas. “Agora eu sorrio enquanto falo isso. Há alguns anos, eu ia chorar se contasse essa história.”
Durante a pandemia, o grupo de autocuidado ficou sem atividades presenciais. Kendrick manteve a interação com outros participantes por meio do grupo de WhatsApp. Neste período, ele decidiu se voluntariar no Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan). No envolvimento com a causa, ele ajuda o movimento com publicações nas redes sociais.
Kendrick concluiu o tratamento da hanseníase em 2020 e ainda toma remédios para lidar com as dores e outras sequelas da doença. Mesmo vivenciando desafios, ele conta com uma rede de apoio e segue com planos e sonhos para o futuro. Dentre eles, terminar a graduação em biomedicina e morar fora do Brasil.