Epidemia de Dengue no Brasil: um alerta para o mundo
Segundo especialistas, a incidência de casos de dengue e outras Doenças Tropicais Negligenciadas está diretamente relacionada às mudanças climáticas, afetando comunidades já vulneráveis.
Com cenário crítico, o Brasil tem apresentado a pior epidemia de dengue registrada desde 2015. De acordo com o mais recente Painel de Monitoramento de Arboviroses do Ministério da Saúde, 2,6 milhões de casos da doença já foram notificados, contabilizando quase mil mortes. No início do mês de abril, pelo menos sete estados e o Distrito Federal já atravessaram o pico de casos de dengue neste ano, com os maiores valores registrados no fim de janeiro, fevereiro e início de março. As autoridades ainda pedem atenção à população, que deve se dedicar a conter focos do Aedes aegypti e vacinar crianças de 10 a 14 anos.
Mas o que esses números (e tantas vidas impactadas) têm a ver com as mudanças climáticas? E como isso também reflete em outras Doenças Tropicais Negligenciadas?
Publicada em março, a pesquisa “Mudanças Climáticas, Anomalias Térmicas e a Recente Progressão da dengue no Brasil”, do pesquisador Christovam Barcellos, revela que as frequentes ondas de calor causadas pelas consequências das ações negativas do homem no meio ambiente é um dos fatores primordiais que vem impactando a proliferação da dengue no interior do Brasil. O estudo constata que a doença está migrando cada vez mais para as regiões Sul e Centro-Oeste, onde não era muito comum.
Esse cenário, porém, não é novidade para pesquisadores e instituições de saúde que vêm alertando para o agravo da dengue e de outras Doenças Tropicais Negligenciadas em decorrência dos fenômenos climáticos. A NHR Brasil abordou esse tema com a colaboração do Dr. Carlos Costa, infectologista e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, ainda em 2023.
Na matéria, que você pode conferir a seguir, o médico explica como as variações extremas de temperatura influenciam na reprodução dos vetores de doenças como a dengue. Ademais, o conteúdo aponta também como a urbanização precária contribui para o impacto da doença nas populações mais vulneráveis.
Hoje, as DTNs ameaçam cerca de 1,7 bilhões de pessoas que vivem em comunidades marginalizadas por todo o mundo. Com o avanço dessas doenças para mais territórios devido à migração dos vetores e o risco gerado pelas situações de moradias precárias, teme-se pelo agravo dos casos das enfermidades. Nesse contexto, fica claro a necessidade de políticas públicas que não só pensem em controlar o avanço das DTNs diante das mudanças climáticas, mas também que promovam a garantia de uma vida digna para a população geral.
Clima e Doenças Negligenciadas
Leishmaniose, malária, doença de Chagas, dengue e filariose linfática são apenas algumas das Doenças Tropicais Negligenciadas transmitidas por vetores, que tem sua proliferação impactada diretamente pelo clima. Para que o ciclo de transmissão aconteça, vetores como mosquitos, carrapatos, pulgas e outros insetos precisam de condições favoráveis para sua reprodução. É o que aponta o médico Carlos Henrique Costa Nery, professor da Universidade Federal do Piauí e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical.
“Primeiro, para que haja transmissão da enfermidade, é necessário que ocorra o período chamado de incubação extrínseca, em que o vetor é infectado e começa a transmitir a doença”, explica Carlos. "Um período de incubação extrínseco mais curto é benéfico para o vetor, pois garante que ele tenha mais tempo para transmitir a doença até o fim do seu ciclo de vida".
Uma das principais características das mudanças climáticas envolve o aumento da temperatura terrestre, principalmente devido à produção em massa de gases de efeito estufa pelas atividades industriais e pelo desmatamento. Isso acelera alterações que costumavam ocorrer ao longo de milhares de anos em poucas décadas, levando ao derretimento geleiras e elevação do nível do mar, de forma a provocar eventos climáticos extremos como tempestades e secas.
Especialistas discutem a relação entre os fenômenos climáticos extremos e o aumento nos índices das DTNs. Segundo Carlos Costa, o aquecimento global influencia o ciclo de vida dos vetores transmissores das doenças, que podem se adaptar a novas condições ambientais e se expandir para novos territórios. Além disso, as mudanças de temperatura exercem influência no desenvolvimento e na sobrevivência dos animais, fator crucial para a propagação de vetores das DTNs.
A dengue é apenas um exemplo dessa movimentação. Trata-se de uma doença que vem se expandindo desde o século XVI e atualmente é endêmica em mais de 100 países, com surtos explosivos de casos cada vez mais frequentes devido ao aumento da duração das estações de transmissão dos mosquitos Aedes aegypti.
Mais aquecimento, mais vulnerabilidade
Diante das mudanças climáticas e do aumento das DTNs, as populações mais pobres e marginalizadas estão particularmente vulneráveis a essas doenças. A falta de infraestrutura, moradias inadequadas e acesso precário a saneamento básico aumentam o risco de infecção pelo grupo de enfermidades que afetam as regiões tropicais, o que inclui também doenças como a hanseníase. É o que destaca Alexandre Menezes, epidemiologista e diretor executivo da Fundação NHR Brasil.
"As pessoas que vivem em moradias precárias e comunidades periféricas enfrentam uma exposição maior a situações como alagamentos e desmoronamentos de terra. Isso as coloca em maior risco de contágio de doenças, agravando as condições de saúde e vida dessas comunidades. Desta forma, os eventos climáticos extremos não apenas favorecem a disseminação de doenças, mas também podem resultar em acidentes fatais e consequências de saúde a longo prazo", pontua Alexandre.
Contenção de Danos
Para Carlos Costa, o fortalecimento da Atenção Primária à Saúde é uma das principais estratégias para o enfrentamento às DTNs. “É preciso que se dê uma racionalidade institucional para o benefício do usuário e não da meta de serviço”, diz ele, atentando para uma realidade dos sistemas de saúde que ainda necessita ser mais voltada para o interesse da população como um todo.
“Por mais que ativistas venham alertando fortemente as autoridades no mundo todo sobre a necessidade urgente para medidas mais efetivas de redução da emissão de gases que provocam o aquecimento global, efetivamente, pouco tem sido feito para mudar esse cenário”, avalia Alexandre Menezes. Segundo ele, é esperado que haja intervenções mais efetivas para interromper esse cenário, o que depende de acordos entre governos e ajustes no modo de produção e exploração dos recursos naturais.
“A nível local, as autoridades devem garantir melhorias nas políticas sociais, como políticas habitacionais e maiores investimentos na área da educação”, evidencia Alexandre. Considerando a ameaça crescente das doenças tropicais negligenciadas e o agravamento dos efeitos das mudanças climáticas, é crucial que medidas efetivas sejam tomadas para proteger as populações mais vulneráveis. Nesse sentido, Alexandre, assim como Carlos Costa, destaca o fortalecimento da Vigilância Epidemiológica como estratégia para reduzir o risco de contágio dessas doenças entre as populações em vulnerabilidade social.