5 Vezes em que a Hanseníase Apareceu nas Telas

A ficção nas telonas e nas séries podem contribuir com a difusão de informações sobre a doença, mas nem sempre as representações são precisas e podem acabar reforçando estereótipos e estigmas associados à hanseníase.

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Você se lembra de ter visto algo sobre a hanseníase na televisão? E nas séries e filmes que você já assistiu?

As produções ficcionais de grandes estúdios possuem alcance global e têm o poder de influenciar diversas pessoas. Quando falamos sobre questões pouco abordadas e difundidas como a hanseníase, isso não é diferente. Abordar a doença em diferentes mídias e meios é essencial para difundir informações sobre a hanseníase, mas nem sempre a informação correta ou mais atual é a que chega ao espectador.

Por isso, compilamos 5 casos em que a doença foi representada na ficção e abordamos a precisão das informações retratadas sobre a enfermidade, confira a seguir:

Cruzada (2005)

Cruzadas

O filme “Cruzada”, dirigido por Ridley Scott, retrata a história das Cruzadas na perspectiva de Balian, um ferreiro que sofre a perda da esposa e da filha quando é convocado para lutar ao lado do Rei Baldwin na conquista de Jerusalém.

Inspirado em fatos históricos, o Rei Baldwin representa a figura histórica de Balduíno IV, príncipe de Jerusalém nascido em 1160, que posteriormente se tornou rei da Terra Santa. O personagem aparece sempre com uma vestimenta peculiar, ornado com um manto que lhe cobre dos pés a cabeça e uma máscara de ferro em seu rosto. Ele é caracterizado dessa forma devido ao adoecimento causado por uma enfermidade que acreditava-se ser hanseníase, conhecida como lepra nos tempos retratados no filme. Para a História, o rei ficou conhecido como “O Leproso”. Por mais que essa denominação seja associada ao seu acometimento pela doença, o líder foi reconhecido por sua resistência e participação ferrenha nas batalhas épicas representadas no longa-metragem.

Na trama, a escolha da vestimenta é justificada pela intenção do Rei de esconder as possíveis lesões na pele evoluídas da doença. Afinal, de acordo com o período retratado em que não se tinha um tratamento efetivo para aliviar os sintomas, tais lesões poderiam ser bem evidentes.

Em obras de ficção, é necessário observar qual a precisão das representações históricas da hanseníase. Por mais que filmes e séries retratem períodos em que a condição conhecida como “lepra” não tinha tratamento e assolava sociedades antigas, não podemos definir com certeza que esses casos correspondem ao que entendemos hoje como hanseníase. Em textos bíblicos, termos como “lepra” e “leproso” foram traduzidos da palavra hebraica tzaraat, a qual se referenciava a sintomas de lesões de pele que engloba uma série de doenças, não somente a hanseníase.

Vale lembrar que, nos tempos atuais, a hanseníase possui tratamento e cura. Sua transmissão não ocorre de forma imediata, uma vez que se efetiva apenas em um convívio próximo e bastante prolongado (durante meses ou anos) com pessoas que têm a doença e não sabem ou não deram início ao tratamento.

Portanto, ao revisitar representações históricas como as de “Cruzada”, é crucial considerar os avanços na medicina e reconhecer, por meio dos conhecimentos científicos atuais, que as doenças do passado podem ter sido mal interpretadas. Dessa forma, podemos evitar reforçar estigmas antigos e promover uma compreensão mais precisa de enfermidades históricas e suas representações.

Ben-Hur (1954)

Ben Hur

No filme Ben-Hur, dirigido por William Wyler e estrelado por Charlton Heston, há uma cena marcante em que o protagonista, Judah Ben-Hur, invade um leprosário para resgatar sua mãe e irmã, que foram isoladas devido à hanseníase. A trama se passa em Jerusalém no início do Século I e conta a história heróica do protagonista na superação de uma vida escravizada em busca por justiça.

O leprosário é mostrado como um lugar sombrio e isolado, refletindo o estigma e o medo que cercavam a enfermidade na época. A cena é intensa e emocional, pois Ben-Hur enfrenta uma série de desafios e perigos para conseguir resgatar suas entes queridas. Ele se infiltra no leprosário disfarçado e, com grande coragem, consegue encontrar sua mãe e irmã, que estão em um estado bastante delicado devido ao avanço da hanseníase.

Assim como no filme Cruzadas, não se pode afirmar exatamente que a enfermidade retratada se trata de hanseníase, uma vez que o termo “lepra” poderia ser utilizado para definir doenças com sinais e sintomas dermatológicos semelhantes.

O isolamento compulsório não foi uma medida exclusiva de tempos tão distantes assim. No Brasil, por exemplo, ela foi adotada na década de 1930 e estabelecida para as pessoas acometidas pela hanseníase. Esse período marca um ponto de tristeza e solidão na história de muitas famílias brasileiras que foram separadas de seus entes queridos adoecidos, obrigados a serem confinados em instituições conhecidas como leprosários.

A medida teve fim em meados de 1986, mas seus efeitos ainda hoje repercutem na sociedade devido à forte associação da temática da hanseníase às instituições de isolamento e exclusão social de pessoas acometidas.

A Casa do Dragão (2022 - Atualmente)

House of the Dragon

Na série “A Casa do Dragão”, trama que antecede os acontecimentos da renomada “Game of Thrones”, vemos o personagem Viserys sofrer com uma doença que impacta sua fisionomia, causando feridas na pele e comprometendo seu vigor.

O ator que interpretou o personagem, Paddy Considine, revelou em entrevista ao portal Entertainment Weekly 's que Viserys possivelmente sofre de um tipo de hanseníase. Paddy comenta que o estado de envelhecimento precoce do personagem também é resultado da evolução da doença. Além disso, a doença é utilizada como uma metáfora para retratar o reinado de Viserys, ilustrando como a pressão de sua função como rei causa “estresse e tensão” e o afeta tanto fisicamente e mentalmente.

O ator toca em uma questão relevante sobre como a hanseníase afeta a saúde mental da pessoa acometida. Ele também ressalta que a doença afeta o sistema nervoso e a pele, causando dores nas mãos e nos pés, atrofiamento de nervos, manchas com alteração de sensibilidade térmica e tátil. O avanço da doença tende a comprometer as estruturas ósseas da pessoa afetada, especialmente nas falanges dos dedos, o que pode evoluir para o desenvolvimento de deficiências incapacitantes.

Na série, o personagem chega a ter complicações graves, como a perda de membros, e vem a falecer. Entretanto, é importante ressaltar que a hanseníase não é uma doença letal e não causa desmembramento de partes do corpo. O que acontece é a fragilização do tecido da pele e a implicação de áreas dormentes afetadas pelas lesões da doença, o que deixa a pessoa acometida mais suscetível a ferimentos e infecções. A ausência de tratamentos eficazes tanto para alcançar a cura da hanseníase quanto para tratar os machucados na pele, podem ser considerados fatores agravantes da evolução da doença.

House (2004 - 2012)

House

No episódio "Cursed" da série House, 13° episódio da primeira temporada, o diagnóstico de hanseníase é um ponto central da trama. A história começa com um garoto chamado Travis, que tem 8 anos e apresenta uma série de sintomas misteriosos. Ele apresenta febre alta e manchas na pele. A situação é complicada pelo fato de que Travis estar em um estado de saúde fragilizado e suas reações a medicamentos não são previsíveis.

Inicialmente, os sintomas de Travis são confusos e levam a uma série de diagnósticos equivocados. A equipe de médicos, liderada pelo Dr. Gregory House, investiga várias possibilidades, incluindo doenças autoimunes e infecções virais. O diagnóstico de hanseníase surge mais tarde na investigação, quando não só os sintomas mas também o histórico do paciente e de sua família começam a se encaixar com casos típicos da doença.

A origem da transmissão é ligada ao pai do paciente, que residiu durante dois anos na Índia na década de 80, país líder em número de casos de hanseníase no mundo. Apesar de apresentar sintomas típicos do acometimento neural da doença, ele foi erroneamente diagnosticado com síndrome do Túnel do Carpo, neuropatia que afeta nervos da mão e do braço e que se assemelha aos sinais e sintomas da forma neural da hanseníase, como formigamentos.

Contudo, a série peca em esclarecer como a transmissão poderia ter ocorrido, já que o tipo de hanseníase do pai de Travis corresponde à forma puramente neural da doença, que não é reconhecida como um tipo da enfermidade de alta transmissão. Além disso, as manchas e lesões representadas no episódio não se assemelham visualmente às características da doença.

Vale lembrar que especialistas compreendem a hanseníase multibacilar como o tipo infectante, sendo observada pela presença de mais de 5 lesões de pele e confirmada a partir de exames complementares como a baciloscopia, que avalia a quantidade de bacilos da Mycobacterium leprae no paciente.

Apesar desses equívocos, o processo de diagnóstico da doença retratado na série corresponde com a realidade, já que é comum observarmos relatos de pessoas afetadas pela hanseníase que percorrem um longo trajeto até o diagnóstico correto. A hanseníase pode ser confundida com doenças dermatológicas variadas, assim como outras que afetam o sistema neurológico e nervoso, sobretudo quando profissionais de saúde estão pouco capacitados para identificar a enfermidade.

O episódio não se limita a aspectos técnicos do diagnóstico, mas também explora as implicações emocionais e sociais da hanseníase. A família do menino se vê desesperada e preocupada com seu bem-estar e o diagnóstico de uma doença tão estigmatizada como a hanseníase constrói um cenário de medo e angústia.

Monk: Um Detetive Diferente (2002 - 2009)

Monk

Na quinta temporada da série Monk, o episódio "Monk and the Leper” mostra o detetive particular Adrian Monk enfrentando um caso intrigante envolvendo uma pessoa afetada pela hanseníase. O episódio combina o mistério típico da série com elementos emocionais e sociais.

Monk é chamado para uma reunião para ajudar o milionário Derek Bronson a recuperar cartas comprometedoras de sua esposa, o que faria com que ela perdesse sua fortuna. Todos acreditavam que Derek estava morto há sete anos, mas ele revela que sobreviveu a um acidente e viveu isolado em uma ilha na Ásia, onde contraiu hanseníase.

Na manhã seguinte, Monk está em pânico, esfregando obsessivamente o braço com sabão na pia da cozinha e até tenta incendiar a própria mão, acreditando que ter apertado a mão de Derek poderia fazer com que ele contraísse hanseníase. Sua amiga Natalie o convence a consultar um dermatologista, que explica que a hanseníase é pouco contagiosa, a maioria das pessoas é imune à doença e, se diagnosticada, há tratamento e cura. O médico também ressalta que o termo “lepra” caiu em desuso para se referir a à enfermidade.

O episódio aborda o estigma associado à hanseníase, mostrando como a doença pode levar ao isolamento e à marginalização dos indivíduos. Derek, como pessoa afetada, enfrenta o preconceito tanto da sociedade quanto de Monk, que precisa superar seu próprio desconforto gerado por seus preconceitos.

O que esses enredos possuem em comum?

As tramas abordadas na ficção revelam a complexidade e o estigma associados à hanseníase ao longo do tempo. Filmes e séries frequentemente exploram a doença com um enfoque histórico ou até como uma metáfora, evidenciando o preconceito e o isolamento enfrentados por pessoas afetadas.

Os filmes "Cruzada" e "Ben-Hur" representam a doença como uma condição incurável e socialmente isolante, refletindo as crenças e o medo predominantes na época. Em "Game of Thrones" e no episódio "Cursed" de "House", a enfermidade é usada para dramatizar e intensificar a narrativa, ao mesmo tempo em que reforça os aspectos de sofrimento e estigmatização.

Ao analisarmos as obras expostas aqui, consideramos ainda mais importante frisar que a hanseníase é tratável e curável. A ciência avançou significativamente desde os períodos retratados, permitindo o diagnóstico precoce e o tratamento eficaz da doença com o uso de medicamentos apropriados e a diminuição drástica de sua transmissão.

Portanto, ao revisitar essas representações históricas e ficcionais, devemos ter em mente o progresso realizado na medicina e promover uma visão mais precisa da hanseníase. Combater estigmas ultrapassados é essencial para evitar o compartilhamento e a perpetuação da desinformação. É fundamental educar o público sobre os avanços no tratamento e a realidade da doença, enfrentando o preconceito e promovendo a inclusão e o apoio a todos que foram afetados pela doença.

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